Há tempos não a via. E para quem nunca passou um só dia sem nela pensar, meses parecem anos de profundo suplício.
Bem sabia que este dia, em que deveria possuir a força que nunca teve para enfrentá-lo, chegaria, e com ele também a vontade martirizadora de refazer aqueles tantos momentos responsáveis por sua morte em vida. O que mais quisera desde sua incicatrizante separação era acreditar que todos os erros no amor são reversíveis, em especial os seus muitos.
Vivia de sonho; a realidade lhe era pesadelo. Por um bom tempo tentou conformar-se de que a esqueceria no mudar da estação, acreditando veemente de que não ver, no mundo real, aquele semblante que via todos os dias em seus sonhos, seria a melhor opção. Imaginou conseguir aceitar ou conviver melhor com seus castigos.
Mas não adiantou. E eis que em um desses improváveis dias de terça ou segunda-feira, ele a avistara. Era-lhe seu reflexo de céu. Mesmo sendo a tarde quente e ensolarada, dessas que se espera que o sol se vá com mais pressa, para dar lugar à lua com seu clima ameno, a ele era o momento mais perfeito, em que esteve disposto a dar qualquer coisa para apenas congelar aquele instante quente, em todas suas conotações.
Antes de remoer seus erros e pensar nas aparentes injustiças da vida, queria entender o que lhe parecia impossível: como ela conseguira estar ainda mais bonita, pois antes, já lhe parecia perfeita. Seus cabelos soltos e cheios de vida eram consoantes ao seu estado de espírito. Aflito, tentou arrancar com a força de seu pensamento os óculos escuros que ela usava, para que ter a certeza de que veria seu olhar de profundo desespero e ler o subentendido "eu ainda te amo".
Os óculos serviram de álibi à moça, pois em sua passagem repleta de poder, com cabeça erguida e postura que só tem os que acordam com motivos para sorrir, conseguiu deixar seu ex-amor com a pior das aflições: a de nunca saber. O disfarce de seus sentimentos foi perfeitamente encoberto pelas lentes pretas, assim como seus passos firmes e acelerados: fuga ou repulsa. Talvez os dois, ou simplesmente nada. Coisas que ele nunca irá saber.
As eternas marcas do fim trágico de um longo romance, que já havia atravessado com força e brilho dezenas de estações, não resistiu aos gelados e castigantes ventos que desobedeciam as inúmeras boas previsões daquela estação. No calendário, era data para início da primavera, mas a incomum temperatura naquele relacionamento não permitiu espaço à florida, doce e tão esperada primavera, que nunca mais germinaria. Veio ao fim, como um inverno rigoroso, que congelou para sempre o coração carregado de culpa do jovem.